Com a passagem do tempo, se torna cada vez mais comum para desenvolvedores de jogos, em especial os independentes, tratar de assuntos mais sérios e que devem ser discutidos. Isso, julgo, é inevitável para a aceitação dos jogos como uma forma de arte para o público geral, e a indústria parece estar seguindo os passos do cinema em seu princípio. Tratar desses assuntos, porém, não deve ser uma carta-branca para que o jogo não seja, ele próprio, de qualidade. Anamorphine, lançado pela Artifact 5 em 31 de julho deste ano para PC e PS4, parece não ter percebido isso.

Anamorphine é um jogo que entra no polêmico gênero dos walking simulators, jogos muito mais focados em contar uma história do que na jogabilidade. Esse tipo de jogo pode sim fornecer experiências incríveis, como The Stanley Parable Shelter, mas precisa se esforçar bastante para manter o jogador entretido. O jogo da Artifact 5 revela a história de Elena e Tyler, este segundo controlado pelo jogador, um casal que vê sua relação se deteriorando aos poucos, passando por temas pesados como a depressão e o abuso de drogas.

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A relação de Elena e Tyler começa a se deteriorar após uma mudança de casa.

Como qualquer outro walking simulatorAnamorphine foca principalmente em sua história. Apesar dos temas pesadíssimos e que precisam, sim, ser discutidos, o enredo é simplista demais, preferindo apresentar conceitos vagos a se aprofundar nesses assuntos, e acaba por não adicionar nada de novo à discussão. Os personagens nunca conversam ou se expressam por coisas além de movimentos muito simples, então também possuem personalidades muito simplistas e pouco relacionáveis. A localização para Português também foi feita com muito desleixo.

A jogabilidade é catastrófica. Já de início, o campo de visão é extremamente aproximado, criando um efeito artificial que pode causar — e provavelmente causará — tonturas. Durante a maior parte do jogo, o jogador só caminha pelos ambientes, e essa caminhada às vezes fica muito lenta, aparentemente sem motivo. Essa lentidão poderia simular algum efeito da depressão, mas ela aparece em momentos aleatórios e vai embora tão rápido quanto chega.

Em algumas seções durante a jogatina, Tyler pedala em uma bicicleta. Essas partes são tão incompetentemente feitas que é quase difícil de acreditar. O detector de colisões funciona muito mal, e é impossível voltar para trás. Ou seja, sempre que o jogador bate em uma parede, o jogo se transforma em uma comédia, com Tyler tentando ir para trás enquanto pedala para frente. O campo de visão nessas seções também é terrível, e o guidão da bicicleta sempre parece estar metros abaixo da cabeça do personagem.

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As seções de ciclismo possuem uma jogabilidade desastrosa.

Mesmo durando apenas pouco mais de uma hora, Anamorphine consegue se repetir inúmeras vezes. Várias partes do gameplay se passam nos mesmos locais, aonde o jogador deve fazer as mesmas coisas para passar pelos mesmos obstáculos. O jogo possui dois finais diferentes, mas mesmo assim o preço de venda está alto demais para um fator replay tão baixo.

Os gráficos são, no máximo, medíocres. Em algumas partes eles são razoáveis, como nos cenários, mas quando se trata de modelos de personagem, o problema começa. Os modelos são feitos de tal maneira que os personagens parecem sair de um desenho de comédia, quebrando completamente o suposto clima de tensão do jogo. Algumas ideias, como o cabelo brilhante de Elena que representa seu estado mental, se tornam completos desastres quanto postos através desse tratamento gráfico desleixado.

Há transições entre diferentes partes do jogo, e essas são, por vezes, bastante criativas e funcionam bem, apesar de serem repetidas à exaustão.

As animações são preguiçosas. Os poucos personagens que se movem realizam movimentos muito lentos e simples. A grande maioria deles, em especial os figurantes, nem sequer possuem uma textura, sendo reduzidos a modelos cinzas e estáticos.

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Os figurantes não passam de modelos cinzentos sem animações.

Os menus do jogo são extremamente desajeitados. O menu principal tenta ser criativo, mas acaba sendo lento e pouco responsivo. Já o de pausa é posto sobre um fundo transparente, que impede o visionamento do que está escrito dependendo do lugar aonde este menu foi ativado. O jogo só usa fontes insossas, que transmitem um sentimento de amadorismo.

Anamorphine é muito mal-otimizado. Mesmo no meu computador, capaz de rodar grandes jogos como The Witcher 3 e ARK em configurações altas a um número de quadros fixo a 60, o jogo sofreu de frequentes quedas de quadros e telas de carregamento constantes durante o gameplay, aparentemente sem nenhuma explicação.

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Anamorphine sofre com frequentes quedas na taxa de quadros por segundo.

A trilha sonora consegue, eventualmente, criar uma atmosfera tensa, conseguindo engajar por breves momentos o jogador. As músicas são o único ponto realmente positivo, transmitindo as sensações que o jogo pretende transmitir de fato. Alguns sons, porém, estão em qualidades muito baixas, destoando dos outros.


Conclusão

Anamorphine, apesar de ter uma boa ideia em mãos, sofre com um desleixo excessivo na sua execução e acaba se tornando uma experiência altamente falha, que não engaja emocionalmente como deveria.