A Motion Twin, desde sua fundação em 2001, se focou em criar jogos grátis para browser. Com sua primeira tentativa no mercado de jogos indie pagos, Dead Cells, lançado em 7 de agosto para PC, PS4, Switch e Xbox One após mais de um ano em acesso antecipado, eles tentam entrar nesse cenário que cresce a cada dia. E que sucesso!

Dead Cells conta uma história muito básica. O jogador, controlando um humanoide chamado de Prisioneiro — que se assemelha a um corpo decapitado com uma massa de células sem forma definida no lugar da cabeça — se aventura por uma ilha sem nome, dividida em biomas e que é gerada randomicamente a cada novo início de jogo. Para justificar essa mudança, o jogo explica que a ilha é um organismo vivo, em constante evolução.

Apesar da história básica, quase todos os NPCs que não inimigos possuem linhas diferentes de diálogo, que geralmente são cheias de carisma e humor. Prisioneiro, apesar de não falar, também se expressa, principalmente através de gestos. A localização do jogo para português também está muito bem feito, e é bem mais do que uma simples tradução.

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O jogador controla Prisioneiro, um corpo morto controlado por um amontoado de células.

Para descrever Dead Cells, a Motion Twin criou um termo: roguevania, uma combinação de roguelite metroidvania. Um amálgama de palavras que, isoladas, já são amálgamas de palavras anteriores. Essa confusão de terminologias descreve bem como o jogo consegue se utilizar de ideias antigas (roguelites e metroidvanias existem há muito tempo) para criar algo completamente novo.

Várias mecânicas compõem o complexo gameplay de Dead Cells. O Prisioneiro pode carregar duas armas e duas habilidade, pegas no cenário ao matar inimigos ou encontrar salas secretas, por exemplo. Cada arma ou habilidade possui pelo menos uma cor entre vermelho, verde ou roxo. Pergaminhos encontrados no caminho aumentam o poder de ataque de uma dessas cores e a quantidade total de pontos de vida do Prisioneiro.

Dead Cells não possui um grande mundo interconectado — esse é um dos motivos pelo qual ele não pode ser chamado de metroidvania sem algumas ressalvas — e sim um mundo dividido em biomas. Entre dois biomas, há sempre uma passagem, aonde ficam três personagens: um responsável pelas mutações, geralmente uma ou duas por vez, que oferecem diferentes melhorias para o personagem e que duram até o fim da partida; O Coletor, que troca células — orbes azuis coletados após derrotar alguns inimigos — por melhorias permanentes, e, mais tarde, um forjador, que melhora as armas e habilidades atuais do jogador. Essas mecânicas proporcionam um sentimento real de progresso.

O Coletor
O Coletor troca células por melhorias permanentes.

Sempre que o Prisioneiro morre — acredite, isso vai acontecer várias vezes durante a jogatina —, o jogo recomeça do princípio, no Alojamento dos Prisioneiros, mas mantendo as melhorias obtidas através d’O Coletor. A ordem dos biomas é relativamente linear, mas algumas habilidades encontradas durante o jogo possibilitam um maior leque de escolhas. Repetir sempre o mesmo bioma no início se torna um pouco repetitivo, porém.

Cada bioma possui inimigos próprios, com alguns poucos inimigos aparecendo em mais de um bioma. Esses NPCs não são apenas reskins, e sim personagens completamente novos. A variedade de ataques e movimentos é incrível.

Apesar de Dead Cells já ser naturalmente muito difícil — felizmente o é do jeito certo, e requer muito mais habilidade do que memorização —, os desenvolvedores ainda incluíram desafios extras. Durante o jogo, o Prisioneiro se depara com portas temporizadas, que se fecham após um certo tempo de jogatina, o que incentiva o jogador a ir cada vez mais rápido. Também existem baús malditos, que oferecem itens poderosos em troca de uma maldição sobre o Prisioneiro.

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Dead Cells é muito difícil, mas não parece injusto.

Os controles são inesperadamente simples para um gameplay tão complexo. A maior parte das ações são realizadas com poucas combinações de botões. A dificuldade surge justamente de conseguir selecionar os movimentos de acordo com a necessidade, e não de se movimentar em si.

Completei a história do jogo em aproximadamente 14 horas, mas o tempo pode variar bastante dependendo da quantidade de exploração que cada jogador gosta de fazer — que é muito bem-recompensada, inclusive — e da habilidade de cada jogador e experiência com outros roguelites metroidvanias.

A direção de arte de Dead Cells é inacreditavelmente linda. Os movimentos de personagens são tão fluidos que os sprites em pixel art até parecem modelos em 3D, os cenários são cheios de detalhes e os designs refletem a função de cada uma das coisas. Efeitos, como o reflexo na água e luz entrando por janelas também são magistralmente executados. O jogo tem, sem sobra de dúvida, um dos visuais mais impressionante do ano até agora.

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O visual de Dead Cells é deslumbrante.

A trilha sonora está rodeada de tantos elementos bem executados que acaba sendo de pouco destaque. Ela é, sim, muito bem feita, mas suas composições que soam como músicas de um filme de fantasia medieval são um pouco genéricas demais para um jogo tão único. Os efeitos sonoros, porém, são de grande importância para o combate de Dead Cells, e cumprem bem esse papel.

Como metroidvania gerado proceduralmente, Dead Cells talvez seja o melhor produto possível. Seus problemas advêm de falhas do próprio conceito, como a inevitável repetição dos biomas. Os elementos que apropria de outros jogos do gênero e de roguelites como Rogue Legacy, da Cellar Door Games, garantem que ele seja, ao mesmo tempo, original e divertido.


Conclusão

Dead Cells mistura elementos de dois gêneros que começam a supersaturar para criar seu próprio gênero: o roguevania, oferecendo uma originalidade revigorante. Todos os seus aspectos muito bem executados criam uma experiência como nenhuma outra.