Donut County chamou minha atenção desde a primeira vez que vi uma foto do jogo. Os gráficos adotam o meu estilo preferido — o lowpoly — e cores vibrantes para criar visuais incríveis, e o conceito do jogo é genial. Desenvolvido por Ben Esposito, o jogo foi lançado em 28 de agosto deste ano para iOS, PC e PS4 pela Annapurna Interactive, subsidiária da Annapurna Pictures, mesma publicadora de outros grandes jogos indie, como What Remains of Edith Finch e Gorogoa.

É difícil classificar Donut County em um único gênero. A sua página na Steam diz que é um jogo de puzzle baseado em história, e julgo que essa é a melhor aproximação possível, apesar de ainda não capturar bem a essência do jogo. Mas não espere um puzzle tradicional, porque Donut County não o é. A história é uma evidente e assumida grande metáfora da gentrificação em Los Angeles, cidade onde mora Ben Esposito. Durante a minha explicação do enredo, será possível perceber vários paralelos com a cidade real, e esses paralelos ficam ainda mais claros quando se joga.

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A história é um ponto importante de Donut County, sendo uma metáfora para a gentrificação.

Durante a maior parte do jogo, o jogador controla BK, um guaxinim que, por sua vez, controla um buraco a partir de um aplicativo para celular, que cresce à medida que “engole” objetos. A linha temporal do enredo salta entre o presente, aonde todos os afetados pelo buraco — que tiveram suas casas sugadas para o centro da Terra — conversam e procuram uma solução, e o passado, que mostra como eles foram sugados, aonde se passa o gameplay.

Os guaxinins, em Donut County, são os causadores da gentrificação, por verem as casas mais pobres como lixo, como descrevem no jogo. Cada personagem afetado conta a sua história, e BK tenta sempre se isentar da culpa, tentando fingir que o que ele fez é um bem para aquela população. Contando a história assim, as analogias ficam óbvias.

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No centro da terra, os personagens procuram uma solução.

Apesar de o tema em que a trama se inspira ser dramático, Donut County adota um estilo otimista e divertido, ao invés de se lamentar. Ben Esposito, julgo que para o bem do jogo, preferiu tratar do assunto de forma bem-humorada, e não rancorosa. Isso não invalida o ponto, e sim o fortalece. Os argumentos levantados pelos personagens, mesmo que de forma cômica, me fizeram refletir sobre o assunto.

Os diálogos são engraçados e a localização brasileira genial. É simplesmente uma das melhores traduções que eu já vi. O time de localização capturou a essência quirky — uma mistura de peculiaridade e charme — do texto original e transpôs essa essência para o português. Ri alto constantemente durante o jogo, e cada nova cena com diálogos garantia novas risadas. A Trashopedia, que lista e descreve cada objeto sugado pelo buraco, é quase como um livro de piadas.

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Em todas as seções de gameplay, o jogador controla um buraco que cresce à medida que suga objetos, tendo como objetivo acabar com todos os objetos do cenário. Apesar de soar repetitivo, Donut County oferece várias formas diferentes de interação entre o buraco e os objetos — bem como uma engine física muito bem feita — para criar soluções criativas para os desafios. Os controles são tão simples que o jogo pode até ser jogado em um dispositivo iOS.

Infelizmente, o jogo é fácil demais. Tão fácil, na verdade, que até o enredo é enfraquecido. Até mesmo o último nível, que deveria ser o mais desafiador, decepciona nesse quesito. Com uma duração de cerca de duas horas, talvez fosse benéfico para Donut County ser mais longo, inclusive para criar uma curva de dificuldade mais desafiadora. O gameplay é tão divertido, no entanto, que me vi voltando ao jogo apenas para experienciar novamente a física e jogabilidade satisfatórias.

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A física, aspecto muito importante para a jogabilidade de Donut County, é muito divertida.

A trilha sonora, apesar de geralmente ser muito boa — e tão quirky quanto todos os outros aspectos do jogo —, às vezes se transforma em uma bagunça de poluição sonora irritante e sem sentido.

É difícil falar imparcialmente sobre a direção de arte de Donut County, porque Ben Esposito escolheu trabalhar com gráficos em lowpoly e com cores vibrantes, os meus preferidos. Mesmo assim, acho que posso falar com segurança que o jogo é um dos melhores representantes desse estilo de arte, juntamente com outros indies como SuperhotAbzû The Witness. As cores e formas trabalham junto com a engine de física para criar um espontâneo espetáculo visual, mesmo que represente objetos e situações banais.

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A direção de arte de Donut County é esplêndida.

É muito difícil não gostar de Donut County. A atmosfera do jogo é divertida e todos os aspectos transmitem uma sensação de tranquilidade e despreocupação. Ao mesmo tempo, algumas deficiências são patentes. O jogo de Ben Esposito passa perto de ser excelente, mas suas falhas evitam que ele seja mais do que uma experiência agradável.


Conclusão

Donut County é uma experiência muito agradável e divertida, que foi indubitavelmente feita com todo o amor do seu criador. Algumas imperfeições, porém, impedem que o jogo seja excelente.