Um dos melhores jogos que eu já joguei em 2021, NUTS não só apresenta uma proposta inusitada — observar o comportamento de esquilos na natureza — como a executa magistralmente, tanto em seus aspectos criativos quanto técnicos. Para saber tudo que eu penso sobre o jogo, leia a nossa análise. Confira o seu trailer oficial:

A equipe desenvolvedora de NUTS reúne talentos de diversas áreas. Joon, desenvolvedor e idealizador do jogo, tem nele seu primeiro grande lançamento, após anos criando jogos menores e organizando instalações artísticas e eventos; Pol Clarissou foi o diretor artístico, tendo seu estilo surreal já chamado a atenção em outros projetos como Vignettes e Orchids to Dusk; Charlene Putney, mais conhecida como Char, é uma das maiores responsáveis pelo sucesso narrativo da série Divinity: Original Sin e aqui foi a escritora de diálogos e otimizadora do enredo; Torfi foi o designer de níveis e Almut Schwacke, mais conhecida como Muuutsch, foi responsável pela sua trilha sonora, já tendo trabalhado em filmes e em outros jogos como All Walls Must Fall e Anno 1800. Por email, conversamos com Joon, Char e Pol sobre esse projeto, suas experiências na indústria e a condição dos jogos como arte:

Como você descreveria NUTS em uma frase?

Joon: Um mistério de vigilância de um jogador.

De onde veio a ideia de implementar mecânicas de vigilância da natureza, e por que você escolheu esquilos como protagonistas?

Joon: Há alguns anos, Torfi — que é um amigo próximo — e eu queríamos um trabalho legal para trabalharmos como passatempo. Então começamos a experimentar com um controlador em primeira pessoa e com ter câmeras e televisões no mundo do jogo. Foi estranhamente cativante ver o mesmo mundo através de lentes diferentes em simultâneo. Também era bastante abstrato, e difícil de ver como isso poderia ser incentivado na jogabilidade. Em uma game jam nesse período, eu me desafiei a criar uma mecânica usando as câmeras no jogo.

Eu criei uma floresta relativamente rápido, joguei ali alguns efeitos visuais e a habilidade de se mover e mirar as câmeras, e então comecei a pensar no que seria um bom sujeito [a ser observado]. Esquilos foram uma escolha tão óbvia que quase pareceu bom demais para ser verdade. Eles fazem parkour por árvores, pedras, arbustos, e a ideia de tentar capturá-los com as câmeras pareceu atraente. Assim que começamos a pesquisar mais sobre isso, descobrimos que eles são incríveis.

Eles são os animais responsáveis pela maior quantidade de quedas de energia, por exemplo, e eles parecem tão maldosos quando estão sobre uma árvore, sempre correndo para fora do campo de visão e voltando para dar uma olhada.

A história foi um dos meus aspectos favoritos de NUTS. Quais são algumas lições ou reflexões que você espera que as pessoas tirem do jogo?

Char: Fico feliz que você tenha gostado da história! Nós criamos a história juntos como um time, baseados em temas que são importantes para todos nós. Meu papel foi o de promotora e organizadora da história, e de escritora das linhas de diálogo do jogo.

“A história do jogo questiona a tecnologia midiática moderna e a existência urbana”

Char sobre o contraste entre o cenário natural e a narrativa urbana em nuts

Queríamos contar uma história que contivesse temas importantes, mas lidasse com eles de forma leve — fazendo perguntas ao invés de fornecendo respostas. Então enquanto o cenário de Melmoth Forest é natural e pacífico, a história do jogo questiona a tecnologia midiática moderna e a existência urbana com tópicos que incluem abuso de poder, ambientalismo e corrupção. Mas nós realmente não queríamos amedrontar ou forçar os jogadores, então lidamos com estes temas através do que esperamos que seja uma narrativa acessível e energizante.

Se os jogadores acabarem o jogo sentindo um amor protetor pela natureza, uma desconfiança de grandes corporações e uma vontade de ser parte de um mundo melhor, então eu estarei muito feliz!

NUTS tem um dos estilos de arte mais únicos que eu já vi. De onde veio a ideia de utilizar cores surreais e minimalistas, e você se inspirou em alguma outra obra midiática durante o desenvolvimento do estilo artístico do jogo?

Pol: O estilo de arte do jogo surgiu naturalmente, de certa forma, das sensibilidades minhas e do Joon! O protótipo original que o Joon criou para a game jam já tinha uma direção de cores forte e chamativa, parcialmente devido a limitações de tempo. Da minha parte, eu já estava experimentando com degradês coloridos por algum tempo: em alguns elementos de fundo de Vignettes em 2017, e depois em uma cena que eu fiz para o Fire Place do Badru — e eu também criei um mod de Skyrim que substitui toda a folhagem com rabiscos coloridos. Você consegue ver a linha entre todos esses experimentos e o visual final de NUTS! Eu acho que é sempre importante pensar na direção de arte não apenas em termos de um objetivo ou ambição abstratos, mas também como parte de uma prática contínua como artistas: é assim que podemos canalizar o melhor de cada membro do time, e deixar o jogo evoluir para algo confiante e único.

Quanto a inspirações externas, há muitas cenas específicas de filmes e jogos que serviram como inspiração para a paleta de cores e o cenário. Mas, num sentido mais amplo, eu acho que gosto de usar paletas vibrantes e irreais porque admiro vários ilustradores e animadores independentes que usam elas de uma forma muito expressiva! Jonathan Djob Nkondo e Molly Mendoza são exemplos que vêm à mente. Carl Burton, ilustrador em 3D e desenvolvedor do jogo ISLANDS, também foi um ponto de referência, já que seu trabalho sempre usa cenas nebulosas, saturadas e quase monocromáticas.

Qual foi a melhor parte de trabalhar remotamente com outros artistas, e que novos desafios isso criou?

Joon: Eu quase sempre trabalhei remotamente nos últimos 10 anos, então estou acostumado. O leque de pessoas com experiência e interessadas em estéticas e ideias similares não é assim tão grande, então encontrar essas pessoas em uma só cidade seria difícil. Fusos horários e a organização em geral foram um grande desafio, mas houve bastante confiança e transparência, então foi só mantermos a pressão baixa e as coisas funcionaram.

Char: A melhor parte de trabalhar com o resto da equipe de NUTS foi que eles são todos pessoas tão boas! Quando você se sente segura e apoiada pelo seu time, então você está livre criativamente para fazer um bom trabalho. Quanto a desafios, eu tenho que dizer que fiquei triste por não termos tido a oportunidade de sentar em uma sala juntos para celebrar nosso lançamento.

Antes de colaborar nesse projeto, Joon, você conhecia Pol, Muuutsch, Char e Torfi? Se sim, como você os conheceu?

Joon: Pessoalmente, eu sou um desenvolvedor e designer, então sabia que precisaria de ajuda com arte, som e escrita, então contactei algumas pessoas na minha rede para ver se estariam interessados. Todos os membros da equipe são artistas cujo trabalho em admiro há muito tempo, e acabei por conhecê-los na cena europeia de jogos independentes, em eventos como AMAZE, Playful Arts Festival, Zoo Machines, e outros.

Eu trabalhei em um jogo chamado Invert, para celulares, mais ou menos ao mesmo tempo em que Pol Clarissou estava trabalhando em Vignettes. Nós lançamos nossos jogos no mesmo dia em 2017, então me informei bastante sobre ele e a sua arte naquele período. Eu também apresentei uma exibição que incluía o jogo dele Orchids to Dusk. Mas o motivo pelo qual eu contactei ele, no fim das contas, foi o seu projeto de redesenhar toda a folhagem de Skyrim. Alguém que tem interesse em criar florestas só por diversão, e tem um bom sentido de estéticas inovadoras, era perfeito.

“Eu corri para o auditório, e ela não estava simplesmente dando uma palestra, ela estava performando!”

Joon sobre como conheceu Muuutsch no AMaze Berlin

Pol já estava mais ou menos na equipe, e no AMaze Berlin, nós estávamos conversando sobre quem poderia fazer o áudio. Alguém me deu uma lista de recomendações de pessoas para checar, e o primeiro nome na lista era Almut Schwacke (a Muuutsch). Nós tínhamos apenas nos encontrado brevemente, e eu não sabia muito sobre o seu trabalho, mas enquanto eu lia a lista, eu também checava o cronograma do evento e vi que ela estava dando uma palestra naquele exato momento. Eu corri para o auditório, e ela não estava simplesmente dando uma palestra, ela estava performando! Sentada numa pilha de materiais que produziam ótimos sons, cercada por vários microfones. E alguém estava jogando um jogo no projetor. Ela estava criando os sons do jogo e ambientação AO VIVO no palco, e eu me apaixonei pelo trabalho dela naquele momento.

Eu conhecia a Charlene Putney da cena de eventos também, nós tínhamos dado palestras no mesmo palco e coisas assim. Quando eu estava procurando um escritor, eu contactei ela, e encaixou como uma luva imediatamente. Ela me disse que tinha escrito parte de uma religião de esquilos para Divinity: Original Sin 2, então me enviou algumas histórias curtas e escreveu alguns rascunhos da estrutura narrativa de NUTS, que eu amei.

Torfi Ásgeirsson organizava eventos comunitários de desenvolvedores de jogos na Islândia, e nos tornamos grandes amigos pouco depois que eu me mudei para cá. Nós sempre temos longas conversas sobre arte, design e programação. Ele tinha outros planos quando eu comecei a trabalhar em NUTS, mas então algumas coisas mudaram e ele de repente estava disponível e interessado. Eu já estava usando parte do seu código no projeto (o controle em primeira pessoa), e já estávamos dividindo um escritório, então a transição foi fácil.

Mais algumas pessoas a mencionar são a minha companheira Marín Björt, que nos ajudou com a produção por alguns meses no início para nos organizarmos, já que ela tem bastante experiência com desenvolvimento organizacional. Também a incrível Freya Holmér que nos ajudou a tornar os efeitos visuais quase 10 vezes mais eficientes, e a Ronja Böhringer que nos ajudou a incluir mais detalhes técnicos de arte. Por último, Kalonica Quigley, que fez os modelos e animações dos esquilos, fez um trabalho incrível.

Você já é um desenvolvedor ativo de jogos há alguns anos, mas NUTS é o seu primeiro grande projeto. Quão diferente ele foi de seus trabalhos anteriores?

Joon: NUTS foi completamente diferente. Todos os meus outros jogos foram menores, e geralmente incluem muito conteúdo processual. O jogo gera níveis, mapas ou desafios, o que significa que o que o jogador vê é geralmente criado por um código ou matemática, o que se encaixa bem na minha mente. Em NUTS, o desafio mais difícil foi que precisamos realmente criar cada pequena parte do jogo, e não podíamos escrever algoritmos para solucionar problemas por nós. Criar uma história linear, por exemplo, é difícil o suficiente por si só, mas em um jogo se torna tão difícil mudá-la, já que conecta código, modelos em 3D, animações, sons, etc.

“Jogos em primeira pessoa são profundamente expressivos para os jogadores”

Joon sobre as vantagens de um jogo de primeira pessoa em 3D

Também há algo estranho sobre jogos em 3D em primeira pessoa, porque eles parecem grandes e pesados muito rapidamente. Eu acho que é por causa da liberdade de ser capaz de andar e olhar para qualquer lugar, pular em cima de coisas, e obter novas perspectivas do mundo constantemente. Jogos em primeira pessoa são profundamente expressivos para os jogadores, e eu acho isso bastante apelativo.

Eu voltei a muitos outros jogos de aventura em primeira pessoa para ver como eles resolviam problemas de design como mostrar ao jogador onde caminhar, evitar que eles caiam das bordas, ter certeza que o jogador não fique preso, e foi decepcionante notar o quão limitante o movimento é na maioria dos jogos. Nós decidimos já de início manter muita liberdade de movimento em NUTS, adotando essas “rudezas” ao invés de tentar consertar tudo. Isso significa que você consegue ir para fora dos limites do mapa em muitos lugares, ou criar glitches de física, mas eu meio que não presto muita atenção a isso, desde que não interrompa a experiência das pessoas que não querem fazê-lo.

No passado, você criou instalações de arte e organizou eventos sobre jogos. Apesar de “jogos de arte” estarem se tornando lentamente mais populares, videogames ainda não são vistos pelo público geral como uma forma de arte válida, como livros ou filmes. Que obstáculos você acha que estão no caminho dessa validação e o que desenvolvedores e a mídia podem fazer sobre isso?

Joon: Eu acho que muito tem a ver com o contexto no qual eles são apresentados. Eu não sei a resposta certa para essa pergunta, mas tenho algumas ideias sobre como podemos mudar ou pelo menos desafiar esse conceito.

Uma ideia que eu acho muito poderosa é pensar no espaço físico da cidade em relação à arte, cultura e mídia. Nós temos museus, teatros, cinemas, etc., mas não temos quase nenhum espaço público dedicado a jogos. Parte disso é porque ainda não temos certeza de como apresentá-los ao público, e isso é um problema interessante a se pensar.

Com alguns dos meus trabalhos como o Screenshake (na Bélgica) e o Isle of Games (na Islândia), nós experimentamos bastante com isso. Minha parte favorita em todos esses eventos é colocar um jogo no palco com um músico, e tentar criar disso um espetáculo. Simplesmente falando, pegamos um músico ou uma banda, capazes de improvisar música ao vivo, para tocar e estudar um jogo. Então pegamos alguém habilidoso em um jogo para jogá-lo ao vivo no palco, com os músicos o apoiando. Isso cria uma performance mágica onde tantas coisas inesperadas podem acontecer, e por causa disso é ainda mais cativante.

Funciona incrivelmente bem, e tanto músicos, quanto desenvolvedores e membros da audiência ficam sempre entusiasmados com isso. Nós fizemos uma performance de Ape Out com um duo de Jazz ao vivo, que foi emocionante quando um jogador ficava preso em um nível por 20 minutos e finalmente escapava, e as pessoas iam à loucura. Nós fizemos uma exploração pacifista do mundo de S.T.A.L.K.E.R., misturado com imagens do filme russo de mesmo nome, e um músico ao vivo com sintetizadores. Levamos uma audiência de mais de cem pessoas ao oceano e jogamos ABZÛ com uma instrumentalista ambientadora ao vivo que usava instrumentos diferentes para quando peixes diferentes se aproximavam, etc.

Sem exceção, eu tenho conversas com pessoas que mudaram sua visão de jogos como uma forma válida de arte em cada performance. E é bem fácil de replicar: encontre um pequeno ambiente com equipamento de música e um projetor; pense com alguns amigos sobre um jogo e músicos que encaixariam tem; entre em contato, vá para o seu estúdio e jogue o jogo com eles e discuta como poderia funcionar. É único todas as vezes, e a melhor forma que encontrei de ocupar espaços públicos com videogames.

Iris Thorarins fez uma performance de música ao vivo sincronizada com a gameplay de ABZÛ. Para ver mais vídeos dessa série, clique neste link.

Quais são alguns dos seus jogos indie favoritos no momento e por quê?

Char: Definitivamente Slay the Spire — eu tenho jogado ele todos os dias desde agosto de 2019 e ainda absolutamente o amo e nunca me cansarei de jogar!

Joon: Eu não tenho tido muito tempo para jogar nos últimos meses, mas estou muito ansioso para voltar para Spelunky 2 e ficar obcecado com o seu design com o Torfi. Eu também tento me manter a par dos jogos da Sokpop, o que é um desafio porque há tantos. Ah, e nos últimos meses do projeto, quando as coisas se tornaram um pouco estressantes, eu me acalmei toda noite jogando um pouco de Mini Motorways que, depois de me aprofundar nele, realmente recomendo.

Algo mais que você queira dizer?

Joon: Obrigado pelo tempo! Nós torcemos para que esse jogo encontre um lar nos corações e pensamentos dos jogadores, e que ele venda bem o suficiente para que possamos trabalhar um pouco mais com ele. Nós temos um boletim informativo (em nuts.game) e se você nos enviar fotos de esquilos (há esquilos onde você vive?) nós talvez incluamos elas no boletim. Arte de fãs também nos faz chorar.


Agradecemos Joon, Char e Pol pela entrevista e desejamos todo o sucesso a NUTS e aos seus projetos futuros. Você pode checar as redes sociais deles abaixo. A entrevista original foi conduzida por email em inglês e posteriormente traduzida, estando a versão original na íntegra abaixo.