É natural que, com o passar do tempo, surjam cada vez mais jogos com temas profundamente políticos. Apesar da tentativa de resistência por boa parte da “comunidade gamer“, jogos com fortes opiniões políticas são essenciais para a transformação da mídia na totalidade em um suporte artístico. Headliner: NoviNews tenta fazer parte desta transformação, seguindo a linha de jogos políticos da desenvolvedora Unbound Creations.

O jogador entra na pele de um jornalista em Novistan – um país repleto de problemas sociais e econômicos, à beira de um regime ditatorial – estando encarregado de selecionar quais notícias vão ser publicadas ou não no jornal mais influente do país. A maior parte das notícias gira em torno de alguns temas principais, e as notícias que o jogador escolher publicar ou não causam um efeito na população, que pode ser visto no caminho que o protagonista toma do trabalho a sua casa. Se passando em algum ano no futuro, o jogo trata de temas considerados futurísticos, como modificação de genes, remédios tecnológicos que podem alterar o humor dos usuários e problemas da tecnologia, mas também de tópicos extremamente atuais, como vício em drogas, imigração em massa, brutalidade policial, vigilância, corrupção e acesso ao sistema de saúde. O cenário apresentado no jogo é assustadoramente similar ao clima atual no Brasil, por exemplo.

No caminho de volta para casa ao fim de cada dia, o jogador cruza com alguns personagens recorrentes. Um deles é uma jornalista imigrante que escreve para o jornal onde o protagonista trabalha, que se vê ameaçada pela crescente intolerância contra imigrantes. Outro, seu irmão, que não completou sua educação formal e tenta viver como pode, se vendo ameaçado pela repressão de sua liberdade de expressão e pode ser vítima de vícios. O terceiro núcleo é o de Rudy, vendedor em um mercadinho local que se vê ameaçado pela chegada de um mercado de uma grande empresa internacional, e sua filha, uma criança tímida. Estes personagens são afetados por suas escolhas de publicação e pelas escolhas de diálogo, oferecidas ao jogador durante as conversas.

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Os diálogos com os personagens coadjuvantes também afetam o seu jornal e o caminho do país.

É interessante e satisfatório ver suas decisões afetarem a cidade ao seu redor, mas a simplicidade exagerada com que alguns assuntos são tratados pode causar alguma frustração. Além disso, não há como verificar as informações escritas em cada matéria, causando com que o jogador possa escolher livremente o que quiser independentemente da veracidade dos fatos. A ausência de outros fatores, como a internet e outros veículos de mídia também é grave, tornando o jornal do protagonista a única fonte de notícias nesta sociedade. Tratando-se de uma sociedade futurista, estas escolhas parecem paradoxais.

As músicas no jogo, por vezes, parecem exageradas demais, tentando forçar uma emoção que não existe. Em alguns momentos específicos, entretanto, a sensação de tensão é real, e me pôs a pensar se alguma escolha que eu havia tomado tinha sido a causadora daquele evento escandaloso que se desenrolava na minha frente. O jogo vale a pena principalmente por estes momentos. Alguns efeitos sonoros são mal-misturados, e acabam sabotando certas cenas mais emocionantes, tornando-as mais cômicas do que qualquer outra coisa. Ao final da campanha, que durou pouco menos de 2 horas para mim, há um incentivo para jogá-la novamente com um outro ponto de vista, mas a lentidão com que as coisas se desenrolam e o exagero na quantidade de diálogos me desencorajaram um pouco nesse sentido. O porte para o Switch me pareceu muito competente, entretanto, adicionando a funcionalidade de toque, extremamente conveniente para uma jogatina no modo portátil do console.

Algo que pode desencorajar alguns jogadores é que o jogo só se encontra disponível em inglês. Sendo a mecânica principal a leitura e avaliação de textos, um entendimento profundo do inglês, inclusive de termos políticos, é necessário. Um pequeno detalhe que também me chamou a atenção é que, na tela de criação do personagem, é possível, além de homem ou mulher, ser não-binário, com pronomes adequados para tal. É sempre bom ressaltar este tipo de inclusão para que, com sorte, se torne um padrão na indústria.

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Infelizmente, o jogo só está disponível em inglês.

design de personagens que aparece em diálogos e fotos é bidimensional, em um estilo que lembra animações japonesas, enquanto no “mundo real” ele é tridimensional, em um estilo lowpoly com poucas texturas. A direção poderia ser interessante, mas no fim das contas é meio sem sal, com pouca coesão entre os personagens em 2D e 3D e cores pouco expressivas. As animações também não são nada além de decentes.


Conclusão

Headliner: NoviNews surge com uma intenção boa e tem seus momentos, mas um sistema político simples demais e direções de arte e de som que deixam a desejar impedem que o jogo cumpra com todo o seu potencial. De qualquer maneira, ainda pode ser uma boa porta de entrada para quem começa a se interessar por política.

(cópia para análise gentilmente cedida pela desenvolvedora)