Desde que foi anunciado, Neo Cab chamou atenção pela sua proposta um tanto quanto inusitada: ser um simulador de motorista cyberpunk. É notável a transformação sofrida pelo ofício, que hoje tem sua maior representação na empresa Uber. Com o avanço da tecnologia, tornou-se possível encontrar uma carona através de um aplicativo de celular. Da mesma forma, tornou-se possível trabalhar pelo aplicativo, oferecendo seu serviço de forma não regularizada. As consequências, porém, podem ser assustadoras: atualmente, aplicativos como Uber e iFood são os maiores contratadores no Brasil. Com a onda de desemprego atual, Neo Cab vem ambientado em um cenário futurista para questionar: nas mãos da automação, que futuro nos aguarda?

O visual futurista é um grande apelo do jogo

É justamente essa pergunta que o jogo tenta responder, te colocando na pele de Lina, uma das poucas motoristas que restaram. Nesse futuro não tão distante, a automação tornou obsoleto diversos empregos, que agora poderiam ser exercidos por máquinas, sobrando aos humanos cargos que exijam pensamento crítico e julgamento. Nessa tomada da automação, uma das funções obsoletas é justamente a de motorista, uma vez que agora existem carros autônomos, e eles (supostamente) são muito mais seguros. Encarnamos então numa protagonista que precisa manter sua humanidade em um ambiente onde ela é indesejada.

Por ser um jogo narrativo, a trama exerce papel fundamental aqui. Ela se inicia quando Lina recebe um convite de uma amiga de longa data para morarem juntas em Los Ojos, que por uma ironia do destino, é uma cidade tomada pela automação, dominada pelo monopólio da empresa Capra, dona dos carros autônomos. Lina encara a situação como uma oportunidade de recomeçar a vida ao lado de sua amiga Savy, até que, obviamente, alguma coisa dá errado. Savy some misteriosamente, e sobra então para Lina a tarefa de procurar pelo paradeiro da amiga, que aos poucos vai se revelando intrinsecamente ligado a empresa Capra. E é claro que, para isso, ela precisa se manter pela cidade, o que significa trabalhar.

E assim somos introduzidos ao jogo. Enquanto Savy se mantém como a trama principal e fio condutor da história, vamos nos ocupando com outros personagens e suas subtramas. O jogo acontece durante o período de uma semana, sendo que cada dia temos a opção de escolher diferentes pessoas como passageiros, e esse é o cerne do jogo. Como um bom motorista de aplicativo, devemos escolher bem o tipo de passageiro que vamos levar, levando em consideração nossa pontuação como piloto, uma vez que ficar abaixo de três estrelas significa perder o emprego. É aqui que se dá o desafio do jogo: como ele é inteiramente baseado em diálogos, cabe ao jogador conduzir a conversa e lidar com a situação para manter a pontuação alta.

Cada passageiro tem uma história diferente, mas nem todas são interessantes

E aí que surge uma das mecânicas principais do jogo, a Feel Grind. Lina recebe uma pulseira capaz de sentir suas emoções e representá-la em cores: amarelo para felicidade, azul para tristeza, vermelho para raiva e verde para tranquilidade. O humor de Lina não é decorativo; ele muda completamente o rumo das conversas. Certas opções de diálogo só estão disponíveis para determinado tipo de humor, então cabe ao jogador prestar atenção no estado da protagonista, assim como no dos passageiros, sendo que alguns deles também usam uma Feel Grind. O uso dessa ferramenta ainda adiciona um (dos vários) comentário social, mostrando um mundo em que a tecnologia invadiu as relações humanas de tal forma que nos tornamos incapazes de entender as emoções alheias. Neo Cab é, antes de tudo, um jogo sobre empatia.

Ainda que com uma proposta forte e carregada de discussão, Neo Cab ainda peca nos mesmos pontos que outros jogos de “experiência narrativa”. O jogo é feito inteiramente a partir das escolhas do jogador, mas elas raramente fazem diferença, na maior parte dos casos é apenas uma falsa sensação de liberdade. Há um certo momento no jogos que encontramos uma “hacker quântica”, uma cientista capaz de enxergar as diversas linhas dos tempo e seus desdobramentos. Ela nos oferece um diálogo metalinguístico sobre a natureza do jogo, explicando como cada escolha de palavras cria uma nova realidade. Ironicamente, independente das opções de diálogo que você escolher, a conversa com ela sempre termina no mesmo lugar.

Outro ponto que pesa contra Neo Cab é a temática cyberpunk pouco explorada. De fato, o jogo entra em discussões relevantes sobre um futuro próximo, mas deixa a ambientação muito aquém do esperado. O visual pode ser um grande chamativo para comprar o jogo, mas meia hora já é o suficiente para ver tudo o que ele tem a oferecer. Los Ojos é uma cidade morta, (o que faz sentido dentro da narrativa) mas não temos espaço suficiente para conhecer a cidade. Ficamos preso a mesma tela durante 90% do jogo: Lina dirigindo e o passageiro atrás. Não seria tão ruim se a grande maioria dos personagens não fossem tão desinteressantes. A animação não ajuda muito, fazendo parecer todas as pessoas robôs sem alma. Se ao menos houvesse dublagem, para tornar as cenas menos monótonas.

As práticas antiéticas apontadas nesse cenário distópico não são tão diferente das que vemos atualmente

Conclusão

Neo Cab é um jogo que traz vários questionamentos interessantes sobre precarização do trabalho, automação, controle social por meio da tecnologia, uso de dados e, principalmente, como se manter humano em um monopólio sob um capitalismo desgovernado. A execução é questionável, mas pra quem gosta de jogos narrativos, vale a pena conferir.

(cópia para análise gentilmente cedida pela Fellow Traveller)