As explorações a lugares remotos da América, que continuaram a ocorrer em massa por europeus e norte-americanos até o início do século XX (e ainda ocorrem, em muito menor escala, atualmente), foram responsáveis pela origem de diversos mitos, como cidades de ouro ou dinossauros ainda vivos. Sabendo apenas dessa informação, seria estranho que mais peças de mídia não tenham explorado esse tema. Junto desses mitos, porém, também ocorreu a perpetuação de ideias absolutamente inaceitáveis, principalmente colonialismo e racismo. Portanto, é necessário muito cuidado e sensibilidade para apresentar esse período histórico. Curious Expedition 2 tenta criar um mundo que seria mais aceitável atualmente, mas não sem alguns tropeços.

Curious Expedition 2 é um jogo de estratégia por turnos e aventura desenvolvido pela Maschinen-Mensch e publicado, depois de algum tempo em acesso antecipado, pela Thunderful Publishing in 28 de janeiro de 2021 para PC, com versões para PlayStation 4, Switch e Xbox One planejadas para mais tarde nesse ano. Sua narrativa começa em 1886, quando começam a surgir e desaparecer ilhas misteriosas no oceano. Como um explorador em Paris, o jogador deve trazer artefatos dessas civilizações para a Exposição Universal, que acontecerá em 1889, bem como para ganhar fama. Em Paris, existem três facções para quem o personagem pode pedir financiamento, e a fama adquirida com cada expedição desbloqueia itens da facção escolhida. O enredo é dividido por anos, onde o jogador joga algumas ilhas randomicamente formadas e não-narrativas, até chegar em uma parte que carregará o enredo para frente. Apesar de inicialmente interessado nessa história, depois de algum tempo só queria terminar a parte narrativa para poder voltar às ilhas aleatórias.

Paris é o hub do jogo, para onde o protagonista volta após cada expedição.

Como o roguelike que é, Curious Expedition 2 utiliza blocos diferentes e aleatórios para criar uma aventura única a cada vez que é jogado. O problema, porém, é que os tipos de cenário, itens, personagens, e acontecimentos parecem muito poucos, então o sentimento de realmente estar explorando algo completamente novo se esvai rapidamente. Minha maior decepção foi que, quando a história termina, o jogo acaba, sem chance de que o jogador continue explorando ilhas aleatórias com aquele personagem que havia escolhido. Se uma nova campanha for iniciada, algumas coisas desbloqueadas se mantêm (como itens de facção e cenários descobertos na história), mas o enredo é igual e, sem nenhuma nova surpresa, se torna ainda mais entediante. O que o jogo faz para tentar dar a impressão de inovação é sempre estético. Por exemplo, eu nunca vi dois personagens exatamente iguais — a variedade nos cabelos, roupas e fenótipos dos companheiros de expedição é grande — mas as classes disponíveis podem ser contadas nos dedos; na minha segunda campanha, o meu vilão foi outra pessoa, diferente da campanha anterior, mas os acontecimentos com ela foram sempre iguais; existem “ovos misteriosos” que podem ser adquiridos nas explorações e, apesar de certa surpresa da primeira vez, depois que percebi que só três animais diferentes podem chocar desses ovos, nem aumentei mais minhas expectativas.

Ao chegar na ilha com até 4 companheiros (recrutados em Paris ou em explorações anteriores), o jogador tem um medidor de sanidade, que é perdida a cada bloco caminhado e pode ser recuperada com comida ou descanso em lugares específicos (como cachoeiras ou vilas). Quando a sanidade acaba, podem acontecer “eventos de insanidade”, acontecimentos drásticos que variam desde um de seus companheiros ficar com raiva sem motivo a um deles abandonar a equipe e roubar itens. Primeiramente obscurecida no mapa, a ilha vai sendo revelada à medida que o jogador anda por ela. Nela, habitam inimigos e nativos. Os inimigos possuem certa variedade, o que é interessante, mas só existem três categorias de nativos: humanos, parecidos com a nativos-americanos reais; salamandras, e toupeiras, essas duas classes sendo completamente fantasiosa. Dito isso, todos eles se comportam da mesma forma, sendo a única diferença entre eles a arquitetura de suas vilas e cabanas.

Esta é a visão do mapa — aqui, a ilha já foi totalmente explorada.

Outras localidades de interesse são escassas. Existem templos, que são todos iguais e que se roubados sempre causam um desastre natural em seus arredores; estátuas de adoração, que são todas iguais e que se roubadas sempre causam raiva nos nativos; missões cristãs, que sempre abrigam um padre que sempre se comporta da mesma forma; cemitérios de elefantes, que sempre têm um ou dois marfins e que se roubados sempre causam raiva nos elefantes; vilas, que têm sempre o mesmo layout, onde há sempre um único chefe que se comporta da mesma forma e oferece as mesmas opções, sejam os habitantes humanos, salamandras ou toupeiras. Acho que vocês já entenderam o meu maior problema com o jogo, não é?

Dito isso, eu me diverti muito durante minha primeira campanha. Tudo que eu ia descobrindo era cativante, as relações com os nativos eram novas e as interações inesperadas! Curious Expedition 2 é, sem dúvida, um ótimo jogo nas primeiras 8 horas, até rolarem os créditos. O problema é que ele se vende como um roguelike, um jogo infinito que muda a cada jogatina, e nisso ele é péssimo. O sentimento de aventura foi suficiente para me levar adianta e adorar a experiência no início, mas depois que já não havia mais nada brilhante ou novo, o que restou foi repetitivo e entediante.

As localidades importantes apresentam pouca variedade.

As batalhas com inimigos são bastante divertidas quando são justas, mas às vezes são exageradamente difíceis, a ponto de serem impossíveis. Lembro distintivamente de uma vez estar em frente de três tigres, cada um planejando realizar dois ataques que variavam entre 30 e 50 de dano e possuindo HPs de três dígitos. Nem com todos os buffs à minha disposição eu conseguiria derrotar um tigre sequer, e com minha equipe não consistindo de cinco personagens que podem criar escudos e atacar em simultâneo, era certo que em um turno eu perderia pelo menos dois personagens. Por mais inteligente e estratégico que eu pudesse ser, aquela era uma batalha perdida; eu jamais conseguiria os espólios daqueles inimigos. Sendo assim, fugi, ainda perdendo um dos meus companheiros e machucando três no processo. E, quando um personagem está machucado, existe uma grande chance de que, a qualquer momento, sua ferida infeccione e ele comece a perder HP rapidamente a cada movimento, até que finalmente morra. A única forma de curar uma infecção é com um kit médico, item raríssimo e caríssimo.

Logo, por mais divertidas que as batalhas possam ser, o jogo as desencoraja com a possibilidade de que elas sejam impossíveis e que as consequências de tal batalha sejam excessivamente devastadoras. No fim da minha segunda campanha, eu estava evitando toda e qualquer batalha e simplesmente correndo para o objetivo. Talvez alguma dessas batalhas fosse justa e divertida; se um de meus personagens morresse, eu saberia que teria sido minha culpa, mas devido à chance de uma batalha impossível, nunca saberei ao certo. Depois da “batalha” de um turno com os tigres, um dos meus companheiros acabou por morrer de infecção.

As batalhas são muito divertidas — quando são justas, é claro.

Jogabilidade de lado, vamos à parte contextual do jogo. Alguns elementos são alterados para que o jogador entenda que esse tipo de exploração é negativa, mas ainda há muita brecha para glorificação do colonialismo. Por exemplo, sexismo é considerado um mal mental, que pode ser curado com um cogumelo alucinógeno que cura características negativas — também funciona assim a ideia de que uma cultura é superior à outra. Durante o enredo, apesar de haver um vilão, adversário do protagonista, as ações tomadas pelo explorador e por Victoria Malin, sua “chefe”, também são claramente ações de um vilão — ou pelo menos eu pensei, na minha primeira jogatina. Na segunda campanha, analisando com mais cuidado, percebi que as ações desses personagens não são tratadas como más no jogo, sendo ao invés disso nada mais do que atos de um explorador. Eu, com uma pré-disposição a considerar exploradores e colonizadores maus, tive essa impressão. Entretanto, para alguém que pensa que essas classes estavam fazendo o bem, Curious Expedition 2 não faz nada de especial para mudar esse pensamento, até o reforçando por vezes.

A direção artística do jogo é oposta à de seu antecessor. Enquanto o primeiro jogo apresentava um visual em pixel art, este se inspira em histórias em quadrinho. Apesar de preferir o mapa desse jogo, os personagens pareciam mais interessantes no jogo anterior. Algo sobre essa nova direção parece um pouco barato, ou feito com pouco carinho. Além disso, as animações são muito rudimentares. A trilha sonora, entretanto, brilha; acho que é o único aspecto do jogo que posso elogiar sem qualquer ressalva. As músicas são competentes e o design de som, trabalhado inclusivamente por Almut Schwacke, responsável pelo excepcional trabalho sonoro em NUTS, é impecável. Por último, o jogo ainda infelizmente não está disponível em português (ou mesmo espanhol), sendo um entendimento fluente de inglês essencial devido à quantidade de texto presente no jogo.

Algumas escolhas da arte do jogo são, no mínimo, duvidosas.

Talvez, no fim das contas, você ache a nota abaixo pouco compatível com o conteúdo da análise. Entretanto, as primeiras horas de Curious Expedition 2 foram sensacionais, e senti que não podia dar uma nota sequer remotamente negativa para um jogo que me possibilitou algumas das melhores horas do ano. O jogo é muito bom, mas eu vejo nele a possibilidade de ser excelente, e por isso me frustro e critico.

Conclusão

Curious Expedition 2 é um ótimo jogo durante as suas primeiras horas e expedições, até excelente. Mas quando não há mais nada novo e brilhante para descobrir — o que ocorre rápido demais para um roguelike — sobra pouco para se manter entretido.